ser amada é quase que como ser ressuscitada
luto contra o sossego que dói minhas juntas e as partes tênues da silhueta que me forma. ouço baixo o vazio sereno que cai dentro de mim feito cachoeira sob as pedras.
respiro frenética o ar puro que sobrevoa, teimoso, minhas narinas desacostumadas com o cheiro límpido.
ser amada, hoje, é quase que como ser ressuscitada.
é sentir o toque envelhecido do carinho que conheço bem, é aproveitar a gota do gozo molhado que percorre da minha nuca ao meu cóccix, como se caminhos já fossem obsoletos e o que importasse mesmo, fosse a trajetória.
é ouvir música de ninar em meio sua voz rouca e sentir o arrepio singelo do seu toque grosso.
é não carecer de pesos nem medidas.
é poder enfrentar uma maratona de corrida às duas da manhã ou gritar alto contra os ventos que bagunçam o meu cabelo aos cento e oitenta quilômetros do seu carro em alta velocidade.
é a vida me oferecendo um jantar enquanto sento no meio fio da calçada só para te ver chegar.
é aceitar os beijos doces, os destinos frágeis e o desatino do compasso que percorre a frequência entre a minha pele e o meu coração.
é poder sentir e promover carícias dentro deste abismo de coisas e rachaduras que pereceram no interior do meu eu, como se ele não fosse tão indigno assim.
é sentir o formigar dos olhos que antecedem a gota salgada que percorre a minha têmpora: apenas ao te ver tão entregue.
é saber amar o detalhe, a saudade, a sucessão de tropeços e o enlace dado pelos dedos.
te amar, hoje, é quase que como ser ressuscitada.
é relembrar os motivos para gritar todas as ausências porque tudo que me consome é a sua presença tenra. honesta. certeira.
é saber que seu tato maior começou em seu cuidado comigo e que cada traço que tenho eternizado na pele, hoje parece insignificante — se comparado ao frisson do seu toque sob as linhas já desenhadas.
é lembrar o quão raros são os encontros capazes de nos tirar o fôlego, mas, ainda assim, nos ensinar a paz.
a paz destes olhos capazes de me comer viva e inteira.